Lusa resiste e torcida cobra: ‘Falta transparência’
- Luana Reis
- 20 de ago. de 2018
- 8 min de leitura
Atualizado: 14 de set. de 2018
Evento realizado em homenagem ao 98° aniversário do clube é marcado por manifestações da torcida, dos ídolos e os dribles discursivos de Alexandre Barros

“Seja transparente”, pediu o lusitano Alcindo Moreira Alves, durante uma das falas do presidente da Portuguesa Alexandre Barros, no evento realizado neste sábado (18), no Museu do Futebol. A princípio, a ocasião homenagearia o clube, pelos 98 anos completados na terça (14), os ídolos e, então, no debate, a mídia setorista rubro-verde discutiria o cenário atual – enfurnado em dívidas e fora de competições de destaque. No entanto, a presença do cartola mudou os rumos da prosa e Barros foi cobrado pelos presentes, por mais transparência na gestão, no plano de ‘resgate’ da Lusa.
A manhã lusitana rendeu na casa dos boleiros paulistanos e, já na abertura, quando a dupla Luiz Nascimento e Cristiano Fukuyama, que organizaram a reunião, homenageava os ídolos presentes – Ivair, Zé Maria, Badeco, Cardoso, Paes e Deodoro –, além de personagens importantes para a ‘resistência rubro-verde’, Alexandre Barros era cobrado.
A primeira reclamação veio de Ivair, o ‘príncipe do futebol’, quem fora barrado no CT da Lusa no último ano. O ex-ponta-de-lança pediu ao cartola para providenciar uma carteirinha para os jogadores que defenderam um dos uniformes mais tradicionais do futebol paulistano.
Barros assentiu, e disse que está providenciando. Depois, assim como diante da saraivada de perguntas dos presentes no debate – que se dera depois da exibição de um documentário sobre Ivair –, com uma série de digressões, o mandatário tentou “acalmar” os ânimos quanto ao que tem sido noticiado na mídia sobre o clube.
No entanto, o discurso político do cartola não desceu na goela dos lusitanos. Seu Alcindo, por exemplo, não o poupou e afirmou que é preciso “dar nome aos bois” e ser mais transparente na condução do clube.
– Falta transparência na Portuguesa há muito tempo, não é só no seu mandato. A Portuguesa tem que mudar de nome e ser transparente, tem de dar nome aos bois… Só quero que a Lusa não me dê um infarto. – indagou Alcindo Moreira Alves, quem acompanha o time desde 1961 e é sócio torcedor há dois anos e meio, durante a fala do Cartola.
– Eu também não quero. – pontuou Barros.
– Você tem que respeitar aquilo que, quando você foi eleito, disse: “Nós não temos aqui nem vencedores, nem vencidos. Temos um grupo que quer levar a Portuguesa ao estrelato”. – lembrou Alves. – E o que aconteceu? Começou a dividir [o grupo]... Hoje a Portuguesa chama-se transparência… Você não é o salvador, eu não sou, ninguém é. É difícil ajudarmos uma coisa que nós não sabemos para onde vai. Você tá fazendo obras e todo mundo [está] ‘metendo o pau’, inclusive eu, mas tá errado. Está certo e errado: estamos certos em querer saber o porquê; e você está errado em não ser transparente. ‘Nós vamos derrubar tudo, vamos colocar a feira’ e, desculpe o termo chulo, uma “zona”, que vai dar dinheiro pra Lusa… Não importa. – exemplificou – Mas, você tem que ser transparente. É isso que cobro eu lhe cobro, como associado da Lusa eu cobro, porque você é um elemento da ‘maternidade-Portuguesa’. Através do seu pai [que] você nasceu no clube. O que eu lhe cobro é o seguinte: seja transparente… Defina os valores e peça ajuda.
O cartola disse ao torcedor para comparecer ao clube e acompanhar o dia a dia. Então, Seu Alcindo afirmou que “se não trabalhasse” estaria lá, certamente.
-Você não é transparente, se fosse… Mas joga o pepino para os outros. - encerrou Seu Alcindo.
No fim do evento, o lusitano conversou com o Acréscimos e pontuou que fica entristecido por “haver uma descontinuidade de ações. Por exemplo, [o plano] sócio-torcedor acabou, novos contratos estão impossíveis de acontecer… Então penso o seguinte: a Portuguesa está num buraco, num canto, acuada, e só há uma maneira para ela sair fora disso. A transparência tem de se dar nas suas atitudes”, concluiu.

+ACRÉSCIMOS
Caso Héverton e o tapetão do Flu
Em 2013 a Portuguesa foi rebaixada para a Série B do Brasileirão, no episódio que ficou conhecido como 'Tapetão do Flu', após a escalação irregular do meia-atacante Héverton. O time perdeu quatro pontos e ficou na lanterna do nacional na última rodada, sendo, então, rebaixado, no lugar do Tricolor das Laranjeiras.
O caso foi arquivado e, recentemente, tornou-se tema de um TCC. O jornalista Gabriel Fernandes, quem integrou, também, a trupe rubro-verde do evento, entrevistou o jogador e outras pessoas relacionadas ao elenco na época. Em breve ele disponibilizará o arquivo no Soundcloud.
SEGUE O JOGO
Uma crise desconversada e a resistência lusitana
Já na abertura do evento, o jornalista e torcedor rubro-verde Luiz Nascimento afirmou que atualmente a torcida não sabe o que acontece na Portuguesa. Esta fala foi repetida ao menos mais duas vezes durante o diálogo, principalmente pelo comentarista esportivo Antônio Quintal, para quem a Lusa precisa “se profissionalizar”, dentro e fora de campo.
+3 infos de acréscimos
+Atualmente a Lusa não disputa nenhuma divisão nacional. O clube foi rebaixado em 2013, devido a escalação de Héverton, para a Série B, caiu novamente no ano seguinte e, então disputou a Série C do Brasileiro em 2015. Ainda nesta temporada, caiu para a Série A-2 do Paulistão. Em 2016, o elenco rubro-verde desceu novamente, desta vez para a Série D e, por fim, na temporada 2017, foi eliminada da última divisão do nacional, ainda na primeira fase;
+Este ano o time masculino do Canindé segue na disputa da Copa Paulista, torneio regional que, se arrebatado, garante o retorno à Série D no próximo período. Neste domingo, o elenco enfrentou o Ituano e empatou em 1 a 1. Com o resultado, o time fechou a quinta rodada da primeira fase na vice-liderança da chave D da tabela;
+A dívida da Lusa é de R$ 350 milhões, conforme a reportagem da Veja, e o clube responde mais de 60 processos trabalhistas.
Durante a reunião, que começou às 10h00 e se estendeu até quase 15h00, o tópico apontado pelos dois comunicadores tomou forma. Que o cartola respondeu às perguntas, mas driblando as ‘respostas-chave’ com uma série de digressões, num tom um tanto afoito, mostrando desconforto.
No fim do evento, assim que encerrei a prosa com Seu Alcindo, Barros se aproximava - para falar com o lusitano, provavelmente -, e eu questionei-o sobre a possibilidade de ter uma comunicação mais efetiva com a torcida, até mesmo pelas redes sociais, a fim de esclarecer uma dúvida ou outra, o que fosse possível responder.
Perguntei isto, também, porque durante a fala do comentarista esportivo da Rádio Paixão Lusa, Antônio Quintal, houve divergência nos valores especulados quanto às receitas do caixa rubro-verde.
Mas, o presidente lusitano não respondeu à minha pergunta inicial, me explicou os valores da dívida, confirmou os valores passados pela Veja, na reportagem de julho, destrinchou sobre os embargos e, então, enalteceu a ideia de levar a feirinha para o terreno da Lusa.
“O maior movimento financeiro da América Latina, e a Portuguesa está criando um setor que vai tirar o povo, de lá para cá. Então, não estamos mexendo com peixe pequeno, mas com peixe muito grande. Tem muita gente, além de políticos, envolvida nisso. Eles [políticos] não querem que a Portuguesa seja um polo disso. Por isso o embargo da obra”, disse.
Já sobre a divergência de valores especulados quanto às receitas da Portuguesa, ele disse que
- Quem pode falar dos valores sou eu, porque sou eu quem assina o contrato. O que falam, o que fomentam aí fora, são pessoas que não tem conhecimento interno. Seria ruim se o meu vice dissesse um valor x, e eu, como presidente, disse um valor y. Nós não falamos nada ao contrário, porque só falamos o que está no papel.
E confirmou que são R$ 75 mil do novo espaço - valor que somará aos R$ 70 mil do aluguel do ginásio para a Igreja Renascer em Cristo, mais os R$ 20 mil da churrascaria, que dá para a Marginal Tietê. Segundo ele, são “valores de mercado”, de forma que não daria para esperar mais, e compreende a reação da torcida, visto que "faz-se toda uma alusão” acerca da questão.
Por fim, ele disse que sua gestão não salvará a Lusa, que em três anos, antes do seu mandato, houve um crescimento de 300 ações contra o clube, e pontuou:
– Sou um cara do futebol. Para mim, a Portuguesa tinha de estar na primeira divisão, ainda mais na minha gestão, mas eu não podia fazer loucura, contratar o que eu não poderia pagar. Essa é a realidade”.
Das razões
Ao se deparar com a situação da Lusa é normal questionar as razões, a forma como a coisa andou – ou desandou – no clube. E há quem fale que a Lusa já está nesta enrascada há mais de vinte anos, também há quem atribua a culpa única e exclusivamente ao meia Héverton e há quem culpe os ex-dirigentes.
Para o organizador, jornalista e lusitano Luiz Nascimento, o caso foi somente um ‘estalo’, uma parte de um todo muito maior.
“Na verdade, a crise da Portuguesa já vinha [acontecendo] bem antes [do caso Héverton]. Sempre digo que isto apenas serviu como um estalo para que as coisas acontecessem do jeito que aconteceu. Não acredito que a mídia teve um papel extremamente importante nesse ponto. Como vários outros casos no Brasil - e a gente está acostumado com isso -, investigações vão parando, quando as coisas vão arrefecendo os promotores não se interessam mais, quem iria ajudar não se interessa mais, gente que teria esclarecimento para prestar e a gente esquece”, pontuou.
Perguntado sobre alguma iniciativa própria para dar andamento nas investigações do caso, Nascimento afirmou que já tentou, mas sem sucesso.
“Já tentamos, por isso, inclusive, que trouxemos o Gabriel - um dos poucos que conseguiram entrevistar esses caras. Eu já tentei, por exemplo, e por motivos óbvios, [as] portas [estavam] fechadas sempre [para o diálogo]”. Considerei ainda o fato de ele ser um jornalista do grupo Globo, visto que poucos dão entrevista para a mídia alternativa. Ainda assim, ele disse não fez diferença.
Dos outros fantasmas que assombram a nação lusitana
Além da falta de comunicação – sobretudo concisa –, prestação de contas, por si só, e memória – quanto aos ex-jogadores –, os lusitanos tem sido assombrados pela possibilidade de perder a casa do time: o Canindé.
No evento, Barros derrubou qualquer possibilidade de isso acontecer, afirmando que não passa de especulação. No entanto, uma fonte que pediu para não ser revelada afirmou que é possível, sim.
- Há chance, sim, só é meio improvável. Tem de parar de pagar a Gislaine, a justiça penhorar e colocar para leilão.
No caso, a fonte se referiu à advogada Gislaine Nunes, quem representa os credores do clube.
E há esperança?
Luiz Nascimento sustentou a fala do coração rubro-verde em todo o evento, trazendo a ideia resistência em meio ao caos – dentro e fora das quatro linhas. Para ele, mesmo com os dribles discursivos do presidente, reunir uma parcela da torcida e expor a situação para o mandatório valeu a pena.
– A Portuguesa está numa situação de total indefinição. A gente está acompanhando o time na Copa Paulista, para conseguir uma vaga na Série D, mas, há qualquer momento, se o time for eliminado do campeonato não há mais nada para disputar. [A Lusa] já está há quase cinco meses sem [jogar/mostrar] futebol… Então, é uma indefinição total. Acredito que hoje valeu [a pena] para o presidente entender a revolta da torcida, ficar cara a cara com a torcida e dar as explicações dele. Acho que muita coisa ficou sem explicar, muita coisa continuou do jeito que estava, mas creio que [ainda assim] é válido. Melhor assim, que não ter nada, nenhuma contestação.
Commentaires