A Copa de 1958, segundo Ruy Castro
- Luana Reis
- 29 de jun. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de jul. de 2018
Neste mês o primeiro título do Brasil no Mundial da Fifa completa 60 anos e o escritor Ruy Castro conta suas memórias e impressões acerca do triunfo verde-amarelo
O primeiro título da Copa do Mundo da Fifa que o Brasil conquistou completa 60 anos nesta quinta-feira (29), e o escritor e colunista da Folha de S. Paulo Ruy Castro destacou a tendência modernista que sequenciou o triunfo nas terras verde-amarelas, e desmentiu histórias que rondaram o elenco, na palestra dada na última terça, no Museu do Futebol. Para ele, ser campeão fez bem ao país e ao governo de Juscelino Kubitschek, vigente na época, não só pelo título, mas pela crença que a conquista gerou na nação e a movimentação financeira alavancada.
“Minha sensação na época, depois do Brasil-campeão, era que a gente vivia em outro país. Comecei a ter a percepção de modernidade ao meu redor”, referiu-se ao contexto da aquisição da primeira estrela da ‘amarelinha’ – selada em 29 de junho de 1958, contra a Suécia, anfitriã daquela Copa, com o placar de 5 a 2.
A dívida de JK ao triunfo da peleja nacional
Quando a Seleção levantou a primeira taça da Copa do Mundo o Brasil era governado pelo presidente mineiro Juscelino Kubitschek, cujo mandato ficou conhecido pelo lema desenvolvimentista ‘Cinquenta anos em cinco’, assistia à criação de indústrias e, também, o nascimento do gênero musical bossa nova.
Castro amarrou todos estes elementos em seu discurso e, para ele, no entanto, a tendência pela qual o governo JK ficou marcado deve, e muito, ao triunfo do elenco que fora chefiado por Paulo Machado de Carvalho – quem liderou a ‘Operação Copa do Mundo’. “Sou quase levado a acreditar que o governo do Juscelino só deu certo após a Copa do Mundo... Em 1956 ele começou a desenvolver indústrias, que só deram frutos em meados de 1958”, coincidido com o título, portanto.
Que além de trazer uma taça para casa, aquela vitória carregava, também, a ideologia acerca do que é ‘ser brasileiro’. A nação tinha, enfim, do que se orgulhar. Para destrinchar esse ponto, o escritor fez referência ao cronista Nelson Rodrigues, quem afirmou que “o Brasil tinha um complexo de vira-lata... Por causa da Copa, cada brasileiro, por mais humilde que fosse, podia desfilar com uma coroa imaginária na cabeça, porque agora era campeão do mundo”.
+ ACRÉSCIMOS:
Em janeiro a Gazeta Esportiva preparou uma matéria especial sobre o aniversário do primeiro título verde-amarelo. Nela, a passagem de Rodrigues e também a estória acerca da convocação de Garrincha são abordadas. Veja:
Paralelamente à conquista, ao levante do orgulho da nação, havia muito dinheiro circulando, há pelo menos quatro anos, conforme pontuou. Ele ponderou, depois de consultar economistas, que “o chamado desenvolvimentismo de JK aconteceria de qualquer forma, pois tinha muito dinheiro circulando [pelo mundo]”.
E quanto à bossa nova, para ele, desde a Segunda Guerra Mundial já havia produções musicais alinhadas às características do gênero se disseminando. O ritmo já era mais “suave”, nas palavras do escritor.
Das lendas acerca da Seleção
Além de pontuar sobre as associações históricas feitas ao governo JK, Ruy Castro desmentiu algumas lendas que até hoje são difundidas sobre a Seleção de 1958, inclusive a de uma suposta reunião que teria possibilitado a escalação de Garrincha naquela Copa.
Ele conversou com o próprio Garrincha, cuja biografia é de sua autoria, além dos colegas do craque que compuseram o time Nilton Santos e Didi, sobre a escalação do ponta-direita. Todos negaram a existência da tal reunião, ou mesmo de qualquer outra.
Além desta estória, Castro desbancou a especulação sobre racismo naquele elenco. “Não teria sentido levar jogadores negros e treinar [durante] três meses, para [posteriormente] não usar os jogadores”, disse, lembrando ainda que na época não existia a substituição de atletas.
Um de seus estímulos para escrever biografias, pelo o que relatou, é justamente tentar corrigir histórias deste tipo, boatos que são repassados de geração para geração e, consequentemente, causam a desinformação.
Veja: os gols da Copa de 1958
A Copa do dial
A década era 1950 e o autor da biografia de Garrincha tinha 10 anos. Ele acompanhava aquele Mundial pelo rádio, afinal um aparelho de televisão ainda era caro e, portanto, o meio ainda não se popularizara. “O rádio era uma coisa muito importante no Brasil na época... A cada gol da Seleção as janelas explodiam”, relatou.
+2 infos de acréscimo
+ A televisão chegou ao Brasil em 1950, com Assis Chateaubriand, um magnata da comunicação. Assim como acontecera com o rádio, que desembarcou no Brasil na década de 1920 e só se popularizou em 1930, poucas pessoas conseguiam adquirir um aparelho inicialmente.
+ Ruy Castro também destacou que fazer/produzir cinema ou TV era difícil, principalmente com cunho esportivo. A produção era cara porque as imagens eram gravadas em película, por isso há poucos registros daquele Mundial e, dos existentes, menor ainda é o número que apresenta jogadas feitas desde o meio-campo. A maioria se restringe ao ápice da partida: os gols.
Um outro futebol, dentro e fora das quatro linhas
Entre os pontos considerados acerca daquele elenco, Castro falou sobre o status de um jogador de futebol no país. Que na época a peleja ainda não fora totalmente profissionalizada.
O processo começou por volta de 1924, na verdade, com a atuação dos times do eixo Rio-São Paulo, conforme a bibliografia da área. Somente na Era Vargas a causa tomou força, também pela criação do Ministério do Trabalho, e alguns jogadores passaram a receber salário. Jogar a peleja era, então, uma profissão.
Mas, conforme Castro lembrou, nem todos os clubes adotaram essa condição, então somente duas décadas depois, nos anos 1950, que isso foi mudando e “os jogadores recebiam na boca do caixa, na sede do clube”, e em espécie, uma quantia que “cabia no bolso”, comparado ao que um atleta recebe hoje. Ainda assim, exerciam uma outra profissão, paralelamente.
Não só este fator, mas também os exercícios possíveis num treino mudaram a partir daquele Mundial. Jogadores subiam e desciam arquibancadas. Hoje, a prática é proibida e especula-se que muitas lesões causadas nos joelhos de grandes craques da nossa história se deva a isso.
E, por fim, o futebol jogado dentro das quatro-linhas não é mais o mesmo. Falando da atuação daquela Seleção e considerando todas as transformações já vividas - também fora de campo -, Ruy Castro concluiu:
- Um jogador como o Garrincha praticava um futebol, fazia jogadas que não tinham a ver necessariamente com terminar em gol, com a vitória do time dele, nem ele ganhar uma gratificação no fim, com a vitória. Tinha a ver com a molecagem, com brincadeira, passar por quem estava tentando tirar a bola dele, desmoralizar o sujeito. Ou seja, era o drible pelo drible, a arte pela arte. E não só o Garrincha fazia isso, como também outros jogadores mais dribladores. Era um futebol alegre, ingênuo, de certa maneira, porque [era] muito desinteressado, e se contar para um garoto de hoje [sobre] a simplicidade daquele tempo parece até absurdo.
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